NOTÍCIAS
06 DE MAIO DE 2024
Artigo – Domicílio eletrônico judicial e o acesso concentrado às comunicações do Poder Judiciário
O Domicílio Eletrônico Judicial é uma ferramenta que integra o Programa Justiça 4.0, iniciado em 2023, e que tem por objetivo conectar os tribunais brasileiros às pessoas cadastradas, para concentrar todas as comunicações de processos em uma única plataforma digital. Por ocasião do cadastro, o usuário passa a ter acesso à plataforma que conterá todas as comunicações processuais, entre elas, citações e intimações, de todos os tribunais,1 relacionadas ao CPF ou ao CNPJ cadastrado. Para os tribunais a adesão é obrigatória, com exceção do STF, e de acordo com o mapeamento que apresenta o status de integração pelo Segmento Justiça Estadual do CNJ, dez estados já concluíram sua integração, em nove ela está em andamento e, em três ela ainda não iniciou.2 Inclusive, conforme dados fornecidos pelo CNJ, 38 tribunais já adequaram seus sistemas processuais eletrônicos para enviar e receber comunicações por meio da plataforma – com destacada aderência pela Justiça Estadual e Justiça do Trabalho.3
Em relação aos destinatários das comunicações, o cadastro é obrigatório para a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios, para as entidades da administração indireta, as empresas públicas e as empresas privadas. A Portaria CNJ 46, de 16/2/24 estabeleceu o cronograma nacional dos prazos para cadastramento voluntário no sistema da seguinte forma:
Pessoas jurídicas de direito privado têm de 1º/3/24 até 30/5/24;
Pessoas jurídicas de direito público, inclusive Ministério Público, Defensoria Pública e Advocacia Pública, de 1º/7/24 até 30/9/24;
Pessoas físicas, a partir de 1º/9/2024, sem data final prevista. Para as pessoas físicas e as pequenas e microempresas que possuem endereço eletrônico no sistema integrado da REDESIM – Rede Nacional para Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios o cadastro é facultativo.
Vale lembrar que a Resolução CNJ 455/2022 instituiu o Portal de Serviços do poder Judiciário, prevendo a citação por meio eletrônico exclusivamente pelo Domicílio Judicial Eletrônico, em consonância com a redação do art. 246 do CPC, dispositivo, aliás, que teve alteração substancial pela lei 14.195/21 para disciplinar a possibilidade de citação por meio eletrônico, mais especificamente mediante o envio de mensagem ao endereço eletrônico (e-mail) cadastrado no sistema. No texto atual o legislador delimitou o uso exclusivamente do endereço eletrônico como meio permitido para as comunicações, afastando outras formas de comunicação, como o uso de aplicativos de mensagem ou de redes sociais, confirmando o entendimento adotado pelo STJ no julgamento do REsp 2.026.925/SP pela Terceira Turma, em agosto de 2023.4 O endereço eletrônico é um dos dados a ser fornecido no momento do cadastro no sistema. Depois de realizado o cadastro, o usuário poderá optar por receber mensagens de notificação por e-mail. Caso não ative as notificações, a ciência das comunicações (não necessariamente do conteúdo das comunicações) para ele, usuário, somente será possível acessando a plataforma.
Dito isso, o primeiro questionamento que surge é quanto às consequências no caso de descumprimento do prazo para cadastramento determinado pela Portaria: O que acontece para quem não promover o cadastro tempestivamente?
A resposta está no §4º, do art. 1º, da Portaria CNJ 46/24, que prevê o cadastro compulsório da pessoa jurídica destinatária das comunicações que não realizar o cadastro obrigatório dentro do prazo5. Convém ressaltar que o art. 16, §1º, da Resolução CNJ 455/22 já previa o compartilhamento de banco de dados cadastrais de órgãos governamentais com o órgão do poder Judiciário, observados os princípios da LGPD. O cadastro compulsório pode oferecer riscos, como, por exemplo, no caso de incorreção ou desatualização dos dados, constantes das bases governamentais, principalmente do endereço eletrônico. Isso, porque a publicação eletrônica substitui qualquer outro meio, excepcionados apenas os casos em que a lei exija a intimação ou vista pessoal. Além disso, considera-se automaticamente realizada a comunicação após o decurso do prazo de dez dias corridos da data do envio eletrônico, conforme disposto no art. 5º da lei 11.419/06. No caso das citações, chama atenção a previsão de que, a ausência de confirmação, em até 3 dias úteis, contados do recebimento da citação eletrônica, implicará a sua realização por outros meios, como correio, oficial de justiça e edital, porém será exigido do destinatário a apresentação de justa causa, sob pena de lhe ser aplicada multa de até 5% do valor da causa (art. 246, §§ 1º-A, 1º-B e 1º-C do CPC).
A análise e a definição das hipóteses que caracterizam “justa causa” capaz de afastar a sanção será tarefa da jurisprudência, e o mínimo que se espera é bom senso, pois o sistema exige grau de inclusão digital que está longe de ser uma realidade em nosso país.
Por isso que a primeira ação necessária para pessoas físicas e jurídicas é a atualização dos seus dados cadastrais no Domicílio Judicial Eletrônico, na REDESIM e na Receita Federal do Brasil. A prudência também orienta que seja feito o cadastro no sistema, evitando a sua realização compulsoriamente. Como terceira ação, sugere-se o monitoramento diário das mensagens recebidas para evitar surpresas e contratempos.
Na data de 26/4/24 o CNJ promoveu a webinário “Domicílio Judicial Eletrônico”, para esclarecimento de algumas dúvidas relacionadas ao novo sistema.6 Para o cadastramento e acesso ao sistema, por exemplo, foram informadas quatro etapas:
O acesso à plataforma (login realizado por meio do gov.br e certificado digital válido);
O aceite do termo de adesão com cadastro do CNPJ (preenchimento dos dados de e-mail, telefone, nome do responsável pelo CNPJ etc.);
O gerenciamento de permissões de usuários, que poderão variar de menor a maior acesso, inclusive do conteúdo das comunicações (administradores, gestores, prepostos e empresas coligadas e filiais);
A consulta às comunicações eletrônicas.
No caso de pessoas jurídicas com filiais ou coligadas, o sistema oferece como funcionalidades o acesso às comunicações processuais, cadastramento e gerenciamento de filiais e coligadas. As figuras que integram as relações dos sistemas são três:
O administrador: Cadastrado no primeiro acesso, tendo acesso a todo o sistema, podendo cadastrar outros administradores (com poderes amplos), filiais (vinculando seu CNPJ) e gerir outros perfis, como do gestor e do preposto;
Gestor: Responsável pela gestão de pessoas e informações, inclusive outros gestores e prepostos;
Preposto: Pessoa que acessa as comunicações processuais por meio da tela de comunicação processual (podendo abrir intimações, desde que habilitado para tanto). Para os advogados que já estão habilitados nos processos em andamento não é necessário cadastro. Todavia, é possível cadastrar um advogado como preposto, hipótese em que haverá vinculação automática pelo sistema. Neste caso o advogado terá acesso a todas as comunicações através da opção “meus representados”. 7
Ferramenta indispensável para controle dos acessos das comunicações processuais é o “log de auditoria”, disponível pelo sistema no campo “detalhes da comunicação”. A opção descortina os dados atrelados à data de abertura, hora, evento referido, além da origem do acesso, permitindo, por meio técnico, o rastreamento.
Outro ponto de atenção abordado no webinário se refere às intimações lançadas no Domicílio Judicial Eletrônico, e se o cliente terá acesso e poderá ler a intimação dirigida ao advogado. A dúvida é pertinente, principalmente para saber se a leitura pela parte dará início à contagem do prazo processual do advogado. Na resposta, foi ressaltado que a Resolução CNJ 455/22 instituiu três figuras, o Diário da Justiça Nacional, o Domicílio Judicial Eletrônico e o Portal de Serviços do poder Judiciário, e que o Domicílio tem por função precípua o recebimento de intimações eletrônicas e citações de caráter pessoal (ao destinatário), enquanto que o Diário da Justiça Nacional, as intimações destinadas aos advogados e atos de edital. Porém, de acordo com as informações fornecidas no webinário, alguns tribunais, por questões de política judiciária, entenderam enviar todas as intimações para o Domicílio Judicial Eletrônico.8 A falta de padronização entre os tribunais e a possibilidade de que o simples acesso do conteúdo pelo cliente (leigo) determine a abertura do prazo processual não pode ser vista com bons olhos.
Há, ainda, um questionamento relativo aos notários e registradores: para efeitos do cadastramento são eles considerados entidades da administração indireta ou pessoas físicas? A dúvida poderá surgir em razão da natureza pública dos serviços que são prestados pelos notários e registradores mediante delegação do Poder Público e a resposta está no art. 4º, II, do decreto-lei 200/67, que estabelece que compreendem a administração pública indireta as autarquias, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as fundações públicas. O exercício em caráter privado e a remuneração por emolumentos, previstos no art. 236 da Constituição Federal também confirmam o não enquadramento. Contudo, não se pode olvidar que os notários e registradores possuem inscrição obrigatória no CNPJ da Receita Federal do Brasil, a qual se destina única e exclusivamente para matrícula no cadastro específico do INSS (CEI) e para o envio da declaração de operação imobiliária à Receita Federal (DOI). Ainda assim, tabelionatos, registros públicos ou cartórios não têm personalidade jurídica, o que não impede o equivocado ajuizamento de demandas contra o “cartório”, com a indicação do CNPJ. Diante de tudo isso, é aconselhável que notários e registradores realizem o cadastro como pessoa física e também promovam o cadastro do CNPJ, observado o prazo estabelecido às pessoas jurídicas, evitando os riscos antes apontados.
__________
1 CNJ. Domicílio Judicial Eletrônico. Disponível aqui. Acesso em 26 abr. 2024.
2 CNJ. Painel: informação sobre a integração do Domicílio Judicial Eletrônico. Disponível aqui. Acesso em 21 mar 2024.
3 Justiça Estadual: TJAP, TJBA, TJDFT, TJCE, TJGO, TJMT, TJPA, TJPB, TJPR, TJRJ, TJRS, TJRR e TJSE; Justiça Federal: TRF-4; Justiça do Trabalho: TRT-1, TRT-2, TRT-3, TRT-4, TRT-5, TRT-6, TRT-7, TRT-8, TRT-9, TRT-10, TRT-11, TRT-12, TRT-13, TRT-14, TRT-15, TRT-16, TRT-17, TRT-18, TRT-19, TRT-20, TRT-21, TRT-22, TRT-23, TRT-24. In CNJ. Justiça 4.0. Perguntas frequentes: Lançamento da 2ª Fase de Expansão (empresas privadas). Atualização em 20/02/2024. Disponível aqui. Acesso em 26 abr. 2024.
4 No julgado foi decidido que a comunicação de atos processuais, intimações e citações, por aplicativos de mensagens ou redes sociais, hoje, não possui nenhuma base ou autorização da legislação e não obedece às regras previstas na legislação atual para prática dos referidos atos, de modo os atos processuais dessa forma comunicados são, em tese, nulos. In: STJ. REsp n. 2.026.925/SP. Relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 8/8/2023, DJe de 14/8/2023. Disponível aqui. Acesso em 26 abr. 2024.
5 “Art. 1º Divulgar o cronograma de cadastro no Domicílio Judicial Eletrônico, na forma seguinte: (…) § 4º- A pessoa obrigada a se cadastrar no Domicílio Judicial Eletrônico, caso não o realize no prazo fixado no art. 1º, será compulsoriamente cadastrada pelo próprio Conselho Nacional de Justiça, conforme dados constantes junto à Receita Federal do Brasil”. Disponível em https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/5450. Acesso em 30 de abr. 2024.
6 CNJ. Webinário – Domicílio Judicial Eletrônico. Disponível aqui: Acesso em 26 abr. 2024.
7 CNJ. Webinário – Domicílio Judicial Eletrônico. Disponível aqui. Acesso: Acesso em 26 abr. 2024.
8 É o caso do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e da maior parte dos tribunais que utilizam o PJE e já estão integrados ao sistema do Domicílio Judicial Eletrônico. A Justiça do Trabalho e o Tribunal de Justiça do Mato Grosso adotam posição diferente, sendo que apenas a citação pessoal é enviada ao Domicílio Judicial Eletrônico, as intimações processuais são encaminhadas ao Diário da Justiça.
CNJ. Webinário – Domicílio Judicial Eletrônico. Disponível aqui. acesso: Acesso em 26 abr. 2024.
Fonte: Migalhas
Outras Notícias
Anoreg RS
08 DE MAIO DE 2024
Provimento nº 161/2024 do CNJ é abordado em live do CNB/CF
As fortes chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul nos últimos dias provocaram estragos em 332 municípios,...
Anoreg RS
08 DE MAIO DE 2024
Artigo – Marco legal das garantias: Modernização e facilitação do acesso ao crédito
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem sido favorável à desjudicialização da execução. A...
Anoreg RS
08 DE MAIO DE 2024
Anoreg/RS e Fórum de Presidentes promovem reunião extraordinária devido à tragédia climática no Rio Grande do Sul
Coordenado pelo presidente da Anoreg/RS, Cláudio Nunes Grecco, encontro online tratou sobre o impacto das enchentes...
Anoreg RS
07 DE MAIO DE 2024
Ato Conjunto 003/2024-P E CGJ determina a suspensão do expediente presencial dos serviços judiciais nos dias 11 a 17 de maio
ATO CONJUNTO Nº 03/2024-P E CGJ O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL e a...
Anoreg RS
07 DE MAIO DE 2024
RESOLUÇÃO Nº 555, DE 17 DE ABRIL DE 2024. Altera a Resolução CNJ nº 508/2023, que dispõe sobre a instalação de Pontos de Inclusão Digital (PID) pelo Poder Judiciário.
O anteprojeto de reforma do Código Civil, formulado por uma comissão de juristas e entregue ao Senado no último...